Candidato ameaçou não participar de entrevistas, sabatinas e debates para evitar desastres como o visto no “Roda” desta segunda

O candidato à presidente da República pelo Partido Social Liberal – PSL, Jair Bolsonaro, esteve no programa Roda Viva, da TV Cultura, de segunda-feira (30). Pelo modelo do programa, exibido pela emissora pública desde 1986, o candidato teve de ficar no centro do palco cercado de entrevistadores, que representavam alguns dos principais veículos impressos do País. Apesar de idas aos programas de Mariana Godoy e Luciana Gimenez, ambos na RedeTV, a participação no programa da TV Cultura foi a primeira oportunidade, de fato, em que o presidenciável teve seu discurso controverso e raso pressionado por jornalistas.
Imagem: Cartum de Gilmar, o "Cartunista das Trevas"
A ausência do candidato na mídia tradicional foi rapidamente compensada pelos entrevistadores que lançaram mão de temas polêmicos e programáticos nos questionamentos. Bolsonaro vinha negando convites de sabatinas, como a do jornal Folha de S. Paulo/UOL e SBT, por exemplo, e ameaçou não participar dos debates neste 1º turno. Após a repercussão, o candidato voltou atrás e publicou vídeo afirmando que estará, sim, nos encontros entre presidenciáveis na TV.

Na pauta da entrevista ao "Roda", as incoerências no campo econômico; os ataques às minorias políticas; as razões para uma defesa contundente e cega ao regime militar de 1964 e o desrespeito às vítimas do período; e os disparates de seus projetos enquanto deputado federal pelo Rio de Janeiro e que agora fazem parte de seu confuso programa de governo. Bolsonaro teve a oportunidade de mostrar ao grande público um pouco do desequilíbrio e destempero de suas posições – a tag do programa liderou o ranking mundial de menções no Twitter.
Imagem: Cartum de Matheus Ribs
Perguntado sobre as diretrizes de seu programa econômico, o candidato recorreu ao seu orientador na área, o liberal e defensor de privatizações irrestritas Paulo Guedes, que já tem assegurada o Ministério da Fazenda em um eventual governo bolsonarista. O candidato disse ainda que não tem “plano B” caso venha ter atritos com seu guru. Economista, Guedes é sócio de um grupo de sites de relacionamento, o Nol Web Services, para cristãos evangélicos, entre outros públicos, “que procuram um relacionamento sério” e está se firmando como o “posto Ipiranga”, em referência a campanha publicitária da rede de postos de gasolina, da campanha do capitão da reserva. Paulo foi uns dos fundadores do banco BTG-Pactual e hoje é parceiro do Grupo Bozano, consultoria investigada no âmbito da Lava Jato fluminense por envolvimento em esquema com doleiros. Bolsonaro converte a falta de ginga político e sua ignorância em temas relevantes e programáticos nas áreas de saúde, segurança e educação em comentários satíricos como o “pergunta lá para o Guedes”.

Bolsonaro esteve acompanhado, entre outras figuras, pela advogada e cotada como vice na chapa do PSL, Janaina Paschoal; do assessor Frederico D’Ávila, presidente da Sociedade Rural Brasileira e que compôs a bancada de entrevistadores quando da participação da candidata Manuela D’Ávila (PCdoB) no programa; e do clã Bolsonaro: Flávio e Eduardo, filhos do candidato.
Imagem: Cartunista Claudio Mor
Nervoso, Bolsonaro mostrou a que veio enquanto candidato da extrema-direita quando foi instigado a responder perguntas relacionadas a temas que, de certa forma, forjaram o dito mito. Com posição xenófoba, racista e preconceituosa, o presidenciável relativizou a importância de mecanismos como a política de cotas para negros em universidades e concursos públicos, afirmando que, caso eleito, deve propor ao Congresso mudanças no sistema. Em dado momento, Bolsonaro disse que nunca escravizou ninguém – sobre a dívida do País com o povo africano pelos quase quatro séculos de escravidão – e que, “se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, eram os próprios negros que entregavam os escravos”.

A colocação do candidato vai na mesma linha daqueles que defendem a tese de que os europeus contraíram doenças com o índios e não o contrário. Em abril, a Procuradoria-geral da República denunciou Bolsonaro por racismo praticado contra quilombolas no episódio das “sete arrobas” para o público da Hebraica carioca.

O fato de o jornalista de origem iugoslava Vladimir Herzog, conhecido por Vlado, ter passado pelos estúdios da emissora não intimidou o candidato e sua defesa à ditadura militar. Diretor de jornalismo da TV Cultura em meio à ditadura, Vlado foi convocado a comparecer nas dependências do DOI-CODI por suposta relação com o Partido Comunista do Brasil – PCB. Apesar da encenação de um suicídio, divulgado pelos militares à época, o jornalista foi brutalmente torturado e assassinado pelos agentes da repressão em 25 de outubro de 1975.
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Para Bolsonaro, os crimes cometidos pelos pares militares durante os anos de chumbo devem ser esquecidos, já que não passa de “uma ferida que deve ser cicatrizada” sem haja a divulgação de documentos, ainda arquivados nos porões dos quartéis, para a condenação, mesmo que em memória, dos culpados. Ainda nesta seara, Bolsonaro esnobou a figura do contraditório dizendo que “na tribuna da Câmara, tenho imunidade para fazer o que quiser, gostem ou não”.

O presidenciável não se posicionava com tal veemência até observar que poderia vencer as eleições com esse tipo de discurso tosco e carregado de preconceitos. Numa tentativa de manter seu eleitorado, que guarda semelhanças ao candidato, Bolsonaro, por vezes, citava termos-chaves como, por exemplo, “Kit Gay”, “Cuba”, "PT", “Trump” e “Ustra” – citado como seu autor preferido com o livro “A Verdade Sufocada” sobre o período ditatorial de 1964-1985. Aliás, a menção ao livro foi feita no encerramento do programa, quando o apresentador Ricardo Lessa faz perguntas no estilo “pingue-pongue”, que Bolsonaro parece não ter compreendido e, por falta de repertório, protagonizado hesitação além do normal para responder aos questionamentos simples, relacionados a preferência pessoal.

Sem projetos, sem alianças e à base de intimidação, Bolsonaro será sabatinado no programa Central das Eleições 2018, do canal de notícias Globo News, na sexta-feira (03/08) às 22h30.

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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