1 - Marçal rouba a cena nas eleições paulistanas Quando inicia-se os debates eleitorais para a prefeitura de SP, comparações entre Pablo Marçal e Jair Bolsonaro foram inevitáveis. O detalhe é que o coach caipira é mais performático, eloquente, inescrupuloso e tem pautas ainda mais difusas que Bolsonaro. Representa o pós-bolsonarismo pois não só defende a preservação da propriedade por meio do populismo penal, como também propaga fórmulas simplistas e fantasmagóricas de ascensão social e por isso tem potencial para constituir uma base ainda mais ampla e sólida na sociedade. A maior expressão do reacionarismo tabajara de 2014 foi Bolsonaro e Marçal é a de 2024. Caso não fosse aniquilado já nessas eleições, este seria uma ameaça ainda maior para o tecido social brasileiro. 2 - Ascensão e consolidação de Marçal com risco real de tê-lo no segundo turno É inegável que uma eventual disputa de segundo turno entre Guilherme Boulos e Pablo Marçal seria de fato um embate antecipado entre o pós-lulismo e o pós-bolsonarismo. Como se sabe, Lula notabilizou-se como liderança sindical oriunda das grandes greves deflagradas no ABC paulista durante a ditadura empresarial-militar, tornando-se a maior expressão das lutas populares dos anos 80. Guilherme Boulos, por sua vez, desponta como liderança do principal movimento social urbano da América Latina, visando a legitimar na vanguarda da transformação social os trabalhadores sem-teto, situados à margem dos direitos trabalhistas e previdenciários e todas as demais categorias de explorados — popularmente conhecidos como "precariado" — para, em virtude disso, se consolidar como a maior expressão das lutas populares dos dias atuais. Do outro lado, Jair Bolsonaro, vocalizando signos da antipolítica e do populismo penal, é alçado ao posto de principal expoente da nova direita de caráter neofascista — que ganha notoriedade nacional com a popularização das mídias digitais e durante a crise política do governo Dilma Rousseff — tornando-se a maior expressão do reacionarismo tabajara de 2014. Dez anos depois, Pablo Marçal, um coach caipira e especialista em mídias digitais, vai além da defesa da propriedade por meio do populismo penal, mas também destaca-se como disseminador de fórmulas simplistas e fantasmagóricas de ascensão social para se consolidar como a maior expressão do reacionarismo tabajara de 2024. Ou seja, esse eventual embate poderia ditar os rumos, não só de São Paulo dos próximos quatro anos, como do Brasil da próxima década. 3 - Cadeirada de Datena freou a ascensão de Marçal Durante toda a campanha eleitoral, Pablo Marçal destacou-se ao posar de opressor, intimidador e terror dos adversários. A cadeirada do Datena submete-o pela primeira vez a uma posição de fragilidade e representa um baque na masculinidade identitária do neofascista. Vale lembrar que o historiador Mark Bray, grande estudioso da história do fascismo, recomenda no livro ANTIFA - O Manual Antifascista exatamente a “interrupção por quaisquer meios disponíveis da propaganda de superioridade e domínio pela força que os fascistas fazem”. 4 - Tentativa desesperada de Marçal para destravar sua ascensão eleitoral É óbvio que o soco do assessor do Pablo Marçal no marqueteiro do Ricardo Nunes foi premeditado. Após a cadeirada do Datena que desconstruiu a masculinidade identitária do coach caipira e o colocou pela primeira vez em uma posição de fragilidade, ele aos poucos se descolou de Ricardo Nunes e Guilherme Boulos que caminharam para se enfrentar no segundo turno das eleições municipais paulistanas. Em uma tentativa desesperada de reverter o atual quadro, Pablo Marçal tenta criar um fato novo para recuperar a pose de opressor, intimidador e terror dos adversários que o alavancou nessa campanha eleitoral. A escalada da violência na reta final do primeiro turno é reflexo da estratégia adotada pelo coach caipira de dobrar a aposta, culminando inclusive na divulgação do laudo esdruxulamente falso contra Boulos que foi a pá de cal na candidatura de Marçal. 5 - Nada nunca foi fácil para quem está do lado certo da história Já esperava-se que Ricardo Nunes largasse na frente nas pesquisas de intenção de voto do segundo turno em virtude do recall do primeiro turno. Mas uma virada ainda estava longe de ser algo tido como impossível. Nem todo eleitor de Pablo Marçal é de extrema-direita: há o voto despolitizado depositado no coach caipira — que é plenamente disputável — e o voto disruptivo que se aproxima muito mais de Guilherme Boulos do que de Ricardo Nunes. Além do mais, a compra de votos operada pela chapa de vereadores da coligação do atual prefeito no dia da eleição do primeiro turno — que foi decisiva para garantir Nunes no segundo turno — não costuma ser tão efetiva quando a eleição é somente majoritária. O maior desafio de Boulos foi ter que encarar a máquina da prefeitura que esteve a todo vapor nas ruas desde os primeiros momentos do segundo turno removendo à força pontos da campanha do adversário de Nunes. Não se pode entrar com derrotismo em uma disputa na qual se está em jogo o destino das forças populares de esquerda. A definição dos quadros e das estratégias de lutas dos próximos anos começa a ser traçada agora e nada nunca foi fácil pra quem está do lado certo da história. 6 - A dimensão nacional de uma eventual (mas improvável vitória) de Boulos Uma vitória de Guilherme Boulos em São Paulo é a última tábua de esperança na qual as forças populares de esquerda precisavam se agarrar para ter uma liderança própria e orgânica de seu campo como presidenciável no pós-lulismo. Em caso de derrota do candidato do PSOL, o espólio político e eleitoral do atual presidente da República seria disputado somente por figuras de direita ou centro-direita, como João Campos, Simone Tebet e Eduardo Paes. Ou seja, desde a ditadura empresarial-militar que a janela de overton ou a mediana do senso comum da sociedade brasileira não ficará situada tão à direita do espectro político. 7 - Marçal como fiel da balança desta eleição A real é que a candidatura de Pablo Marçal foi de fato o fiel balança da eleição para a prefeitura de SP. Escolheu Guilherme Boulos como alvo primordial, dedicou-se arduamente para manchar e desgastar ainda mais sua imagem perante à opinião pública, serviu para moderar a persona de Ricardo Nunes e posiciona-lo ao centro do espectro político e, de quebra, constituiu uma base de ultra-direita de caráter neofascista extremamente hostil ao campo das esquerdas que em hipótese alguma votaria no candidato do PSOL. O atual prefeito entrou na eleição como uma figura inexpressiva e nem sequer precisou deixar de ser para sair reeleito. Texto por Luan Toja (@luantoja) no Insta e Twitter. 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