Lula está fora do pleito, mas seu eleitorado não; são milhões de “Lulas” de acordo com as pesquisas de intenção de voto

O ordenamento político-jurídico que retirou Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República em 2016 guarda aspectos que não se perdem com o tempo. Se naquele ano o Congresso Nacional tivesse aguardado o resultado do julgamento da ação protocolada pelo senador Aécio Neves (PSDB), perdedor do pleito presidencial em 2014, no Tribunal Superior Eleitoral – TSE, alegando abuso de poder econômico na campanha da chapa Dilma-Temer na última eleição para presidente do Brasil, não teria protagonizado o espetáculo do dia 17 de abril de 2016, assim como talvez estivessem hoje com mais respeitabilidade perante a opinião pública. Em uma campanha de 438 milhões de reais, difícil defender que não houve abuso de poder econômico. O valor representa 159 milhões de reais a mais daquele gasto pelo requerente Aécio em sua campanha. Dilma e Temer teriam caído no julgamento do TSE, ocorrido aproximadamente um ano e dois meses depois do circo parlamentar de abril de 2016. Por 4 a 3, em junho de 2017, os ministros eleitorais decidiram contra a cassação da chapa e a deposição, naquela ocasião, de Michel Temer. Já não havia razão para tal. Quem tinha de sair, já havia saído para os interesses da atual agenda social-econômica.
Imagem: Charge de Renato Aroeira
A pressa elevou Temer a condição de presidente do Brasil e carimbou de “golpista” todo congressista que votou favoravelmente ao afastamento da presidente eleita em 2014, que neste ano concorre, com folga nas pesquisas de intenção de voto, ao Senado pelo estado de Minas Gerais. O movimento que se iniciou com a queda de Dilma e que parece perder força a cada ataque contra os direitos da principal figura política do País, o ex-presidente Lula, chegou a, praticamente, decretar o fim da maior legenda do campo progressista, o Partido dos Trabalhadores – PT. Em 2016, quando a sigla elegeu apenas um prefeito de capital – em Rio Branco, no Acre – e reduziu de 644 para 256 o número de prefeituras sob seu comando, a análise política dava como certo que o partido levaria tempo para se reerguer. Hoje, já em 2018 e na iminência de mais um pleito presidencial, pode-se dizer que o mesmo movimento colaborou com o indicador de preferência partidária, que mostra o PT – com quase 30%, segundo o Datafolha – na liderança, e com o fato de Lula, mesmo preso – e agora não sendo candidato –, liderar as pesquisas de intenção de voto.
Imagem: Cartum de Carol Andrade
A quebra da ordem legal em casos envolvendo petistas, em especial o ex-presidente Lula, e a conivência com as mesmas práticas – às vezes por não representar algo que tenha de se repreendido –, desde que tomadas por integrantes de outros grupos políticos, parece incomodar parte considerável da opinião pública. Lula ter sido sentenciado e condenado em um processo cheio de incongruências (clique!) apenas para evitar sua participação no pleito deste ano desconsiderou que o ex-presidente talvez não quisesse disputar a Presidência mais uma vez. A falta de tato político dos algozes levou Lula a ser candidato. É sabido que Lula é forte politicamente. Na condição de vítima – legítima, diga-se – torna-se imbatível. Ao menos é o que mostra as pesquisas realizadas pelos principais institutos do País.

Tanto é que o PT, sob as coordenadas do ex-presidente, recorre a todas as instâncias no campo jurídico para que ele seja seu candidato à Presidência. Isso, apesar de ser notório que todo o circo não fora montado para, a poucos dias das eleições, permiti-lo na disputa.
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Prever que não deixariam Lula ser candidato não dá salvo conduto para o partido abrir mão de buscar sua candidatura. Se a maioria do eleitorado, de acordo com pesquisas de intenção de voto, diz que quer votar em Lula, o partido tem trabalhado no sentido de colocá-lo na urna. A sucessão de fracassos na esfera jurídica não tem – e não pode – intimidar a legenda. Além de ser a via legal, ou seja, o único caminho, recorrer até não poder mais alimenta a narrativa de perseguição, fortemente defendida pela sigla. A cada manifestação contrária a Lula, um tijolinho é assentado na construção de que a situação do ex-presidente não passa de uma jogada política-eleitoral para retirá-lo da disputa. Construção que tem ganhado ficado cada vez mais em evidência na cabeça do eleitorado – aqui, leva-se em conta o crescimento de Lula ou de seu candidato, Fernando Haddad, nas pesquisas.

O primeiro e segundo parágrafo deste artigo aborda duas informações que não casariam em circunstâncias normais: Dilma Rousseff sofreu um impeachment, mas não perdeu os diretos políticos por oito anos, como prevê a Constituição. À época do impeachment, em agosto de 2016, o malabarismo jurídico foi resultado da divisão do processo em dois itens, afastamento e condenação a um período sabático. Com o aval do então presidente da Suprema Corte, ministro Ricardo Lewandowski, o Senado Federal entendeu que Dilma deveria deixar a Presidência, desde que sem a perda dos direitos políticos.
Imagem: Cartunista Carlos Latuff

Acompanhado do indeferimento da candidatura de Lula, na última sexta (31/08), veio mais uma decisão no mínimo questionável, que beira o malabarismo jurídico. Por 6 votos a 1, os ministros eleitorais decidiram que Lula não pode ser candidato por violar a Lei da Ficha Limpa, mas que o PT pode exibir seu programa eleitoral em cadeia de rádio e TV sem restrições. 

Em ambas as ocasiões, tanto com Dilma como com Lula, a consciência parece ter pesado, ainda que em partes, e decisões não previstas nos códigos, seja na Constituição Federal ou na Lei Eleitoral, foram tomadas. 

Se em 2016 parte da defesa pela continuidade de Dilma reforçava que não havia crime de responsabilidade fiscal apresentando relatórios do Tribunal de Contas da União – TCU, órgão com competência para analisar as contas do governo, desta vez, na defesa do direito de Lula ser candidato, até a recomendação de um comitê da ONU ressalvando tal direito ao ex-presidente fora apresentada, porém sem lograr êxito. Aliás, o documento do Comitê de Direitos Humanos perdeu seu valor na boca dos analistas de plantão que prontamente alardeavam se tratar "fake news". 
Imagem: Cartunista Carlos Latuff
O ponto alto do julgamento no TSE foi a celeridade do processo, como tem sido regra nos casos envolvendo o ex-presidente. Convocada para menos de 24 horas após a defesa do ex-presidente ter protocolado seus documentos, a sessão extraordinária da Corte aconteceu em uma sexta-feira, dia dedicado ao ócio dos  ministros, durou mais de 10 horas e se encerrou já na madrugada de sábado. A corrida maluca tinha como propósito impedir a exibição do programa petista no primeiro dia do horário eleitoral para os candidatos à Presidência. Sem sucesso, o TSE assistiu a comunicação petista protesta contra sua decisão em pleno sábado de campanha (vídeo abaixo).
Vídeo: Reprodução / Canal "Partido dos Trabalhadores" no Youtube
O PT não surgiu ontem e sabe fazer campanha. Não por acaso ganhou as últimas quatro eleições presidenciais. A decisão do TSE deve ser contestada no STF pela defesa do petista. Enquanto não se tem uma definição da Suprema Corte, o partido investe em Fernando Haddad, que tem realizado um périplo pelo nordeste.

Hoje o partido não tem candidato à Presidência da República e mesmo que a decisão do TSE tenha ido no sentido de que a legenda tem de apresentar seu postulante em até dez dias corridos, não é de se estranhar se o PT seguir sem definir sua situação até dia 17/09,  data limite para a alteração, apesar de se ventilar que a chapa Fernando Haddad e Manu D’Ávila venha a ser confirmada antes.

A estratégia eleitoral do PT parece ser toda baseada nas pesquisas. Ao menos um 1/3 do eleitorado diz querer votar na sigla. São milhões de “Lulas”, de acordo com o próprio, dispostos a votar no ex-presidente ou em seu ungido. 

Retiram Lula, o ex-presidente, da corrida, mas não os milhões de “Lulas” que o apoia e tendem a votar em seu indicado, ou que transferem os votos para Ciro (PDT) e Boulos (PSOL).


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Claudio Porto

Jornalista independente.

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